sábado, 13 de setembro de 2008

Error

Estava eu sentado em frente ao meu computador quando o mesmo emitiu o som de uma campainha. No entanto, era um barulho que expressava um equívoco, um erro fatal, do tipo “Não acredito que você fez isso!”. Pra piorar, as minhas parvas caixas de som (que me acompanham desde os tempos de 486) estavam ligadas no último volume me causando um estado emocional muito forte, de suar frio.

Assim, tomado de assalto, interrompido abruptamente na mecânica do abre e fecha janela, o barulho me causa nesse instante uma ruptura entre o antes e depois desse momento devastador, dessa castração sonora promovida pelo meu computador. O timbre grave gerou uma angústia que não consegui fazer mais nada, me levando ao estado parecido das vítimas que sofrem de estresse pós-traumático: Eu poderia dizer que sofro de estresse pós-barulho de erro de software.

Imagine agora analogicamente a situação trágica do sujeito. Todos os dias temos que tomar decisões que variam entre zerovírgulazerozerozeroum miligramas até as mais pesadas que nos custam uma bigorna de uma tonelada. Por mais que nossa rotina nos faça andar em círculos como os bois dos engenhos de cana (Vide Lavoura Arcaica), somos sujeitos com uma dimensão ética e que possuimos responsabilidade em nossas escolhas. O que quero dizer é que nosso destino não está dado de antemão e somos nós que sustentamos nossas idéias, pensamentos e escolhas tais para construir nossos referenciais.

O sujeito, diferentemente do computador, responde ao mundo de diversas possibilidades e nunca da mesma forma. O computador, por mais teimoso que a pessoa seja, age sempre igual e se for o caso de exigirmos alguma tarefa que ele não possa cumprir, pronto, o estrondo do equívoco aparece. Já o indivíduo não: Para cada ato, age de uma forma bem específica e ao mesmo de modo que não seja totalmente pensado, calculado e que possa ser previsível como no caso da engenhoca cibernética.

Essa especificidade nos é conferida pela linguagem. Essa não é apenas um meio pra se falar das coisas, mas ela constitui um mundo e mais, um imundo. Ela nos condena a nos dizer certas palavras, às vezes com duplo sentido, de forma incompleta. Para Ronald Barthes, a língua é fascista, isto é, na medida que nos obriga a dizer certas coisas.

O “error” angustiante que o computador apresenta é um tapa na cara em nós que toda hora agimos de modo impreciso e mesquinho, sendo atravessado por inúmeros significados que a cultura nos dá. A impressão que dá quando ouço esse barulho aterrorizante é a mesma quando estou no ônibus e de repente ouve-se um tiro. Instalado o pânico na hora. Um baque que nos reduz a baratas tontas procurando o melhor lugar pra se esconder do baygon que no nosso exemplo é a bala perdida.

Mas veja você, alguma coisa se diz e depois de ser dito vê a posição do sujeito implicada no que ele disse. É assim, nós vamos fiando palavras que engendram discursos nas malhas da coesão e com as cores da coerência. No dia-a-dia, às vezes nos sentimos totalmente alheios a nós mesmos, quando por exemplo, num enterro ao invés de falarmos “meus pêsames” à viúva, falamos “meus parabéns”. Mas o que isso quer dizer? Será que foi um descuido sem culpa? O que eu tenho a ver com o que eu falei? O que eu disse?

A experiência nos mostra que a linguagem nos dá um certo basta e por mais que não sejamos culpados, somos responsáveis - isto é, não tem uma intenção, mas fui eu quem falou. O psicótico tira esse automatismo da linguagem: Se falarmos um ponto e que consensualmente é um ponto de ônibus, ele pode teimar em dizer ser o ponto de uma puta ou então gastar litros de “água mole” jogando em pedra dura esperando que essa fure.

Portanto, dizemos tal coisa pra não dizer outra e é por isso que não somos “Pentiuns”, “Macintoshs”, pois a cada descuido nosso (desculpe a redundância) nos descuidamos diferentemente. Mas uma coisa é certa: A afetação que isso nos causa pode ser tão potente quanto a do barulho devastador quando clicamos algo indevido e assim erramos.