sábado, 3 de maio de 2008

quinta-feira, 1 de maio de 2008

EU gosto, EU quero, EU faço.

Não sei se já falei disso em algum blog meu, mas não importa, falarei mesmo assim...

É incrível como cada vez mais vivemos numa política de salve-se quem puder. É claro que eu não nasci ontem e sei que o individualismo é o alicerce do nosso contexto atual. Porém, nunca se ouviu coisas como "ele é assim porque quer" ou "cada um faz o que gosta" impera como os grandes eufemismos da nossa época que mostra como nos tornamos cada vez mais únicos, mais sujeitos em si e para si mesmos.

Nos anos 20, no auge da Revolução Russa, surge a possibilidade de ser diferente. Surgiram as vanguardas européias na literatura, nas artes plásticas e no cinema. O homem-câmera do Vertov era expressão de uma esperança de abrirmos mão de nossa individualidade assim como os heróis coletivos do cinema do Einsenstein. Chega de close-ups, o lance é agir independente de uma subjetividade que esta sim é burguesa e perfídia do sistema. Surge ao mesmo tempo a Sociedade do Espetáculo onde as imagens correm soltas, a espécie homo videns e todas as outras características estéticas específicas do contexto.

O fim como nós todos já sabemos é trágico. A televisão e os outros meios de comunicação introjetam figuras menos autoritárias e mais sedutoras que os pais, a escola e outros que eram exclusivamente delegados a produzir subjetividades. Substituindo assim o papel das instituições modernas, os meios de comunicação criam modos de entender o mundo, modos de ser. Dessa forma, o EU é o privilegiado. O eu consciente, é claro. O insconciente ainda possui uma certa relevância no contexto atual, embora sua primazia tenha sido deixada para a velha modernidade.

(O homem da câmera - Dziga Vertov 1929)

O meio é propício para os gostos conscienciais, os atos e aquilo que é mais aparentável de ser. Assim, o gosto é o determinante de uma essência, se é que podemos falar de uma essência, mas são as preferências, hoje em dia, que singulariza o sujeito e muito além disso, o isola. Cada um toma os próprios gostos pra si e que se dane o outro. Aliás é o outro que está excluído da minha escolha. "EU gosto de ouvir tais bandas", "EU detesto determinadas situações", ... é o eu sozinho que faz suas escolhas e se encerra em si,não admite alguma forma de intervenção. A identificação é rápida e flexível, variando num ritmo frenético. A fila anda. Stuart Hall fala do supermercado cultural, istoé, das coisas que circulam mundialmente e colhemos para fazer parte daquilo que chamamos de identidade, que é menos uma bola de bilhar do que um mosaico multicolorido.

Com o neoliberalismo e seus efeitos, como o desemprego e menos estabilidade das relações contratuais, o que está em jogo é o salve-se quem puder, ou modernizando o ditado, salve-se quem puder e quiser. Hoje em dia, por mais reacionário que isso pareça, o pobre é assim porque quer, porque gosta da sua condição e não por explicações causais maiores como porque ele não teve oportunidades ou porque ele foi duro com a vida. A pobreza é considerada como uma escolha.

A enorme variedade de possibilidades e a suposta liberdade que a cidade permite ser nos caracteriza como os únicos que poderão dar o ponto final nesse mundo dadaísta que vivemos. Somos senhores do nosso destino, queremos espantar nossa característica trágica e por isso tudo aquilo que nos caracteriza, o culpado é o EU, o mesmo que faz os gostos, é o réu da sua própria sina. Por isso ainda, tanto charme e elouqüência na mídia, para afastar o que há de trágico em nós, o que não tem sentido, o que não há explicação. Tornemo-nos neuróticos sim, mas mais ainda por tentarmos sermos ao máximo aquilo que queremos e senão o atingirmos, fracassamos e assumimos culpa desse fracasso. Sou EU que gosto, sou EU que quero e sou EU que faço.